Artigo de Reinaldo Canto - Carta Capital
Espaços limitados, alimentos industrializados,
sedentarismo e publicidade abusiva são alguns dos obstáculos para o
desenvolvimento de uma infância saudável e equilibrada.
Não é tarefa das mais fáceis criar filhos nesses
tempos modernos, cercados de alta tecnologia e profundas mudanças de
comportamento. Nós, pais, costumamos nos queixar dos apelos do consumismo e da
pressão exercida pelas crianças para comprar uma gama variada e extensa de
traquitanas de todos os tipos e valores. Temos que trabalhar arduamente para
fazer frente a essas pressões, mas também para garantir educação, saúde e o
lazer dos pequenos.
Por outro lado, já tentamos fazer o exercício de nos
colocar no lugar deles? Tenha em mente que a vida de nossas “pestinhas” também
não é um mar de rosas!
Pois bem, aqui registro algumas reflexões sobre a
cada vez mais complexa condição de ser criança neste século. No passado, não
tão remoto assim, o ser criança era, de uma determinada maneira, bem mais
simples. Brincar era uma atividade invariavelmente praticada na rua. Estudar,
basicamente na escola do bairro. E comer, ato trivial e cotidiano, o almoço e o
jantar preparados pela mãe, avó ou outros familiares. Só para fechar o rol de
atividades mais ordinárias do dia a dia, assistir televisão era apertar o botão
e usufruir da limitada programação ao lado da família. Fosse ela de conteúdo
destinado às crianças ou adultos.
Eis que tudo mudou, e não foram poucas as mudanças. A
acelerada urbanização trouxe consigo dois fenômenos gêmeos: a redução dos
espaços e a verticalização. Como consequência, a rua deixou de ser um local
para brincar e passou a exercer o papel de vilã. Agora, rua é sinônimo de
perigo! Azar das crianças que tiveram reduzidos os seus espaços tradicionais.
O correr livre e solto praticamente deixou de
existir. Brincar em casa virou regra, ao invés de exceção. E, o mundo virtual
acabou por ocupar esse vazio. Agora não é mais a criança que corre, joga bola e
se exercita com outras brincadeiras ao lado dos amiguinhos: quem faz isso é o
vídeo game. Os relacionamentos se desenvolvem nas redes sociais. Resultado:
crianças sedentárias e obesas.
Por falar em obesidade, a variedade de produtos
comestíveis muito atrativos, saborosos e, em geral, pouco saudáveis, é uma
verdadeira tentação a nos provocar, com especial atenção às nossas crianças. Um
prato que contenha cereais, carnes e legumes perdeu toda a graça diante das
suculentas porções de “batatas com sabor artificial de bacon, com queijo
cheddar”.
As frutas na sobremesa, comuns na alimentação do
passado, têm sido substituídas por doces coloridos com muito açúcar e gorduras.
Tudo isso agravado pelo fato de os pais trabalharem fora e as refeições
preparadas por eles terem sido substituídas por pratos prontos.
Para completar o kit “obeso e sedentário”,
a televisão também chamada por muitos pais de “babá eletrônica”, possui
atualmente um leque de canais para o entretenimento de qualquer idade. São
variados, e em bom número, aqueles dedicados às crianças. Ali, a publicidade
deita e rola oferecendo a felicidade em forma de brinquedos e roupas mágicas e
especiais. Mais pressão sobre os pais e muita frustração para os filhos que não
terão acesso a todas aquelas maravilhas!
“Muito Além do Peso” merece ser assistido
Uma triste combinação de alimentos nada naturais,
tecnologia sofisticada e insegurança carregam consigo uma carga de variados
comprometimentos ao futuro das novas gerações. Entre elas, as nossas
crianças começam a apresentar sintomas de doenças conhecidas até pouco tempo
apenas em adultos. Problemas no coração, respiratórios, diabetes, hipertensão e
até mesmo depressão já fazem parte dessa nova realidade.
Sobre esse tema, vale a pena conferir o
documentário Muito Além do Peso (www.youtube.com/watch?v=K0y82oVGiPE)
que aborda as grandes e nocivas mudanças de consumo na infância. Algumas das
alarmantes constatações de especialistas entrevistados no filme apontam que 33%
das crianças brasileiras já estão acima do peso. Outras 56% consomem
refrigerantes com alguma frequência. A diretora Estela Renner imprime um tom
dramático em histórias reais, que seriam até engraçadas se não fossem trágicas.
Escolas que formam super-heróis
Por fim, o ato de estudar ganhou ares extremos de
complexidade. A variedade de escolas pedagógicas causa, em primeiro lugar, um
verdadeiro nó na cabeça dos pais. Qual a melhor para o meu filho? Em qual ele
ou ela irá se tornar uma pessoa de valores éticos e morais altíssimos, humano,
solidário, sensível e ao mesmo tempo capaz de enfrentar todos os obstáculos e superar
os concorrentes que ousarem enfrenta-lo? Não podemos admitir que nossos filhos
sejam algo menos que um super-homem/super mulher ou um semideus/semideusa.
Será que a escola está sendo capaz de desenvolver
todo o imenso e extraordinário potencial do meu filho? Nesta hora, a pressão
sobre os pequenos, mesmo que indireta, começa a se fazer sentir desde a mais
tenra idade.
Então, que tal reduzirmos tanta pressão sobre eles e
nós?
Portanto, sejamos mais solidários com nossos filhos e
deixemos um pouco de lado as nossas próprias angústias. Não acho que existam
fórmulas simples para enfrentar essas e muitas outras questões que envolvem a
criação dos pimpolhos, mas quem sabe um pouco mais de atenção, amor e uma boa e
salutar convivência familiar não atenuem, e até mesmo eliminem, alguns desses
sintomas da modernidade.
Sejam eles geniais ou apenas normais, talentosos ou
simplesmente cidadãos corretos e bons profissionais, ao invés de pensarmos em
criar seres incríveis devemos contribuir para que as crianças se tornem adultos
felizes e que vivam suas existências em paz.
Fonte: Revista Carta Capital - 03.12.12